SALICUS
Revista de Música Litúrgica
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Notícias da Arquidiocese de Braga

Editorial 7

A Arquidiocese de Braga pode orgulhar-se de ter entre os seus pastores grandes homens que muito fizeram pela qualidade e pureza da música litúrgica. São Marinho de Dume, no século VI, fez da reforma do canto litúrgico uma das grandes prioridades da sua ação pastoral. Assim, no primeiro Concílio de Braga (561-563), no qual São Martinho tomou parte ainda como bispo de Dume, os Cânones 11 e 12 indicam claramente que se deviam banir do canto litúrgico as mundanidades quer no que respeita à indumentária dos executantes quer quanto ao conteúdo dos textos. A este respeito, o Cânon 12 determina que tudo o que se cantar na igreja seja apenas tirado do livro dos Salmos ou dos restantes livros do Antigo e Novo Testamento.

Apesar de São Frutuoso, bispo de Braga no século VII, não ter escrito nada no que refere à música litúrgica, o seu biógrafo indica que ele teria recebido a sua educação de Conâncio, bispo de Palência. Este bispo visigodo é referido por Santo Ildefonso no seu De viribus illustribus como sendo um dos grandes músicos do seu tempo, versado em escrita poética e música sagrada; reformador do canto eclesiástico, tendo deixado escritas numerosas melodias e um livro de orações.

São Geraldo, arcebispo de Braga entre 1096 e 1108, foi chantre de Moissac e, consequentemente, tinha a responsabilidade de assegurar o canto e a formação dos noviços desta grande abadia clunicense. É, portanto, natural que, depois de ter trabalhado junto do bispo de Toledo também como chantre, São Geraldo tivesse enriquecido a Arquidiocese de Braga com toda a sua experiência e saber no canto eclesiástico.

Na ação reformadora de São Bartolomeu dos Mártires, temos algumas referências à música litúrgica. É indicado o estado deplorável em que se encontrava o canto litúrgico mesmo em igrejas que deviam ser exemplares. Assim, por exemplo, é referido que na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira o latim era tão maltratado que São Bartolomeu teve de impor uma melhor preparação do Ofício Coral. Na sua célebre visitação ao Cabido da Sé de Braga, ele faz várias observações visando melhorar a qualidade do Ofício Coral zelando pela “honestidade das vozes e dos cantores”. No programa formativo do Seminário de São Pedro, fundado pelo Santo Arcebispo, o canto e a música eram disciplinas obrigatórias e os requisitos eram tão elevados que foi aconselhado a São Bartolomeu dos Mártires que os baixasse um pouco, para que, por esse critério, não fossem afastados demasiados candidatos ao sacerdócio. Mas, sem dúvida, a sua mais bela referência musical encontra-se no primeiro capítulo da segunda parte do Estímulo dos pastores quando ele compara os pastores a “Rouxinóis de Deus”: “Oh! Sejamos rouxinóis de Deus, não sejamos mais do que a voz de Deus.” Ele inscreve-se assim na grande tradição bíblica do chamado sacrifício dos lábios: a confissão do Nome de Deus e a jubilação do canto de louvor. Os profetas consideravam o sacrifício dos lábios, outro nome para o canto litúrgico, bem superior aos sacrifícios sangrentos do Templo de Jerusalém (Jer 33, 11; Os 14, 2; Heb 13, 15).

Este sétimo número da Revista de Música Litúrgica SALICUS associa-se à alegria da Igreja universal pela canonização de São Bartolomeu dos Mártires e apresenta um Próprio da Missa em sua Memória com música do compositor Fernando Lapa e um Hino em sua honra composto pelo compositor Jorge Alves Barbosa. Estas obras serão interpretadas pela primeira vez no seu contexto litúrgico na Sé Catedral de Braga, no dia 10 de novembro, aquando da leitura solene da Ata de Canonização.

O Próprio da Missa de São Bartolomeu dos Mártires é constituído por uma Antífona de Entrada (Intróito), com um texto tirado de Rom 12, 2 “Não vos acomodeis a este mundo, mas, deixai-vos transformar para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bem, o que lhe é agradável, o que é perfeito.” As primeiras palavras deste versículo – “Não vos acomodeis a este mundo” – foram escolhidas por São Bartolomeu dos Mártires para seu lema episcopal. Para este texto, o compositor escreveu uma monodia a sabor modal acompanhada a órgão e com um prelúdio e um poslúdio a órgão e clarinete. O Salmo Responsorial é o Salmo 116, tirado do Comum dos Pastores e é a resposta salmódica à leitura de Ez 3, 6-21. Neste caso, o compositor optou por um refrão facilmente retomável por uma grande assembleia e umas estrofes mais trabalhadas melodicamente para um solista com acompanhado a órgão. O Aleluia (Jo 10, 14) também é tirado do Comum dos Pastores e introduz a leitura do Evangelho de Jo 10, 11-16. Neste caso, Fernando Lapa optou por um conjunto instrumental mais substancial para realçar o caráter festivo da aclamação. Assim, ao órgão acrescentam-se as cordas, um trompete e uma flauta que introduzem e acompanham a assembleia e o solista que faz o versículo. A aclamação foi também pensada para ser facilmente retomável pela assembleia. A Antífona de Ofertório, não estando indicada no Missal Romano, foi retirada do Gradual Romano para o Comum dos Pastores e cita o Salmo 88, 25. O compositor trabalhou este texto usando a forma do Motete a vozes mistas e à Capella. A Antífona de Comunhão é retirada do Comum dos Pastores citando Jo 15, 15; tem as mesmas características da Antífona de Entrada tendo apenas sido acrescentada uma flauta à orquestração. A este Próprio da Missa de São Bartolomeu dos Mártires foi acrescentado um Cântico Processional de Comunhão com um refrão que articula duas referências bíblicas: Mt 5, 13-14 “Vós sois o sal da terra”, “Vós sois a luz do mundo” e Jo 5, 35 “João era a candeia que ardia e iluminava”. Desta última citação, São Bartolomeu fez o seu segundo lema episcopal: “Ardere et Lucere”. Combinando estes elementos, fizemos um refrão com o seguinte texto: “Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo. Ardei para iluminar.” A este refrão foram acrescentadas as estrofes que são uma paráfrase do Salmo 22 escritas por Fernando Melro. Fernando Lapa trabalhou este texto de forma a que o refrão fosse facilmente retomável pela assembleia e que as estrofes fossem cantadas em polifonia por uma Schola Cantorum. A orquestração é mais rica juntando o órgão, as cordas, o clarinete, o trompete e a flauta. A este ensemble está confiada uma rica introdução à primeira enunciação do refrão.

O Hino a São Bartolomeu dos Mártires é um canto laudativo e foi composto pelo padre Jorge Alves Barbosa aquando do Quinto Centenário do Nascimento de São Bartolomeu dos Mártires. O poema é de Dom Joaquim Gonçalves, mas o texto foi reelaborado pelo compositor e com o acrescento de algumas estrofes. A música procura seguir uma linguagem particularmente modal e evocando um certo espírito renascentista. Todavia, o refrão é escrito num estilo mais popular.

O Doutor Diogo Alte da Veiga, no seu artigo, “A música litúrgica na Catedral de Braga no tempo de Frei Bartolomeu dos Mártires”, após fazer sumariamente um enquadramento da evolução litúrgica, aborda a música na Catedral de Braga nas duas vertentes em que, em meados do século XVI, era praticada: o canto monódico e a música polifónica.

Por fim e como é hábito da Revista de Música Litúrgica SALICUS, na rúbrica “Livro de Órgão” apresentamos um cântico tradicional do reportório litúrgico retrabalhado com “novas roupagens” harmónicas para o uso e desfrute dos organistas de diferentes níveis de virtuosismo. Desta vez, a tarefa coube ao compositor João Santos que trabalhou o bem conhecido cântico “Eu sou o Pão da vida” de Dom Celestino Borges de Sousa. São apresentadas uma versão A mais sóbria e uma versão B mais rica contrapontística e harmonicamente. Ambas são introduzidas pelo mesmo Prelúdio e concluídas com o mesmo Poslúdio e foram escritas apenas para manuais.

Que São Bartolomeu dos Mártires, que tanto zelou para que a beleza da música litúrgica estivesse de acordo com a beleza dos Mistérios que a Igreja celebra, interceda por todos aqueles que exercem ministérios musicais na liturgia para que aliem a profundidade da devoção à sublimidade da arte.

Hermenegildo Faria